quarta-feira, 29 de abril de 2009

"Quando uma amizade dá certo um dos amigos é o próprio Deus!"



Muitas vezes me interrogo sobre o verdadeiro significado da amizade. O que é ser-se amigo de alguém? Uma pesquisa na Internet trouxe-me a seguinte explicação, alojada num site brasileiro: "Amizade", termo originário do latim "amicitate", tem por significado sentimento fiel de afeição, estima ou ternura entre pessoas unidas por laços de família ou vinculação de carácter exclusivamente social, benevolência, estima, entendimento. Num dicionário de Português on-line pude ler: “afeição; amor; boas relações; laço cordial entre duas ou mais entidades; dedicação; benevolência. ”
Confesso que estas definições, apesar de à primeira vista dizerem quase tudo, não dizem nada. Falta-lhes o essencial, i.e., dizer exactamente o que é ser-se amigo de alguém. É o que irei procurar fazer.
Para começar, desconfio sempre de quem me trata por «Meu amigo». Ser-se amigo carece de verbalização. Quem isto diz não é meu e muito menos amigo também. A amizade não se «apregoa», pratica-se. Uma outra atitude que me põe de pé atrás são as palmadinhas nas costas. Tenho sempre a impressão que me estão a dar um «empurrãozinho» para me «atirar» para o precipício. Apetece-me glosar e dizer "Pode ser gente, [ mas amigo] não é certamente porque um amigo não bate assim."
Um amigo é aquele que nos confronta com a nossa «condição humana», com as nossas virtudes e «misérias». E que não se coíbe de nos dar uma palmada nos dedos se entende que isso é imprescindível para podermos arrepiar caminho. Custa sempre levar um soco no peito, mas o verdadeiro amigo não hesita se entende que é necessário para nos chamar à razão. Por vezes, caímos na tentação da cegueira e perguntamo-nos: Como é possível ouvir isto de fulano/ fulana tal? Que grande amigo/ amiga… Mas, passada essa vertigem narcísica, caímos em nós. E acabamos sempre por entender que os amigos devem e podem ser duros connosco.
Ser-se amigo é também rir e encantar-se na alegria e dar o ombro quando a tristeza nos aperta o coração e o muro nos parece intransponível. É lembrar-se do nosso dia de anos, do natal, de uma data especial, de telefonar, de enviar um e-mail, de dizer apenas: «Estou aqui.» É estar-se bem com. É ter alguém para nos escutar, para ir ao futebol, para beber um café e ler o jornal, para passear ao longo da praia da vida. É saber que se tropeçarmos há alguém que está lá para nos amparar.
Um amigo é leal. Jamais nos atraiçoa. Mesmo que isso lhe cause dissabores, mesmo que isso implique sacrifícios pessoais, quando seria mais fácil remeter-se ao silêncio e «juntar-se» à turba.
A verdadeira amizade retribui-se na mesma moeda. Podemos ter muitos conhecidos. Os amigos, porém, vão sempre contar-se pelos dedos de uma mão. Uma coisa é certa. A amizade é como um Bonsai. Precisa de cuidados diários ao longo de uma vida. Aqui reside o verdadeiro segredo para não ficarmos reduzidos à condição daquela mulher de um quadro famoso de Edward Hopper, sentada nua e só na borda da cama de um quarto de hotel, fitando o vazio. Como diz a canção, a amizade "c'est un capital coeur à la bank du temps/ Prêté sans intérêts et sans remboursement."

Fonte: http://joseboia.squarespace.com/journal/2006/7/13/amicitate.html

Supremo Ministro Joaquim Barbosa



Jorge Portugal*
Naquele 22 de abril de 2009, nenhum nobre navegante português ousaria nos “descobrir”. Descobertos fomos pelos olhos e pela voz do primeiro negro que, com altivez e coragem, no topo da nau capitânia do judiciário, admoestou o pretenso comandante.
Naquele 22 de abril de 2009, não caberia um 7 de setembro em que o filho do rei, futuro imperador do país, daria gritos de independência às margens de um riacho qualquer; ali, ouvimos o brado da liberdade e da insubmissão da voz abafada do povo, silenciada por séculos pelos donos do poder, através de sucessivos crimes de lesa-cidadania: “Respeite, ministro! Vossa Excelência não tem condições de dar lição de moral em ninguém!”
Naquele 22 de abril de 2009, nenhuma princesa “bondosa” assinaria uma vaga lei que nos concedia liberdade, mas nos cassava a condição de cidadãos, proibindo-nos o voto, a escola de qualidade e o trabalho digno; presenciamos, sim, a abolição proclamada em nossas almas, 121 anos depois, pela voz corajosa de um Luís Gama redivivo, encarnando todos os quilombos massacrados e abrindo os portões de todas as senzalas: “Vossa Excelência não está nas ruas; está na mídia destruindo a credibilidade de nossa justiça!”
Naquele 22 de abril de 2009, nenhum marechal, de pijama, ousaria proclamar república nenhuma; o pacto de poder que condenou a maioria de nossa gente a ser um povo de segunda classe viu-se desmascarado pela indignação patriótica de um João Cândido reeditado, que fez a chibata girar em movimento contrário, açoitando o lombo dos que se acostumaram a bater, por séculos a fio: “Respeite, ministro! Vossa Excelência não está falando com seus capangas do Mato Grosso!”
Naquele dia, Ogum, Xangô e Oxóssi desceram os três num corpo só e reafirmaram a presença arquetípica da África dentro de nós. Todos os movimentos aparentemente derrotados dos nossos heróis anÿnimos puseram-se de pé, vitoriosos, mesmo que não tivessem vencido uma só batalha. A Revolta dos Búzios, a Revolução dos Malês, o Quilombo dos Palmares, todos, reencenaram seus teatros de operação e puderam, séculos depois, derrotar simbolicamente o inimigo.
Naquele dia, saíram às ruas todas as escolas de samba, de jongo, todos os blocos afros; bateram os candomblés e as giras de umbanda, a procissão da Boa Morte, o Bembé do Mercado de Santo Amaro; brilharam os pequenos olhos da criança negra recém-nascida ao descortinar a luz azul de um futuro melhor.
Naquele dia, materializando todos os nossos sonhos e desejos secularmente negados, Vossa Excelência deixou de ser apenas um ministro do Supremo Tribunal Federal para tornar-se o supremo ministro de todos os brasileiros.
*Baiano de Santo Amaro da Purificação, educador, poeta, membro do Cons. Nacional de Política Cultural(transcrito da página de Opinião do jornal A Tarde de 28.4.09)